Capítulo 1 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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De Florinópoles para Milão


Os sonhos de Érica

Ela queria ir para Milão na Itália, e ele sabia como esse querer é imperativo nas meninas magras e lindas que sonham com a carreira de modelo.

Ele a convenceria facilmente de suas melhores intenções. Diria exatamente o que ela queria ouvir. A beleza é docemente traiçoeira. Para ele, um pecado a ser experimentado. Para ela, o muro baixo por onde um homem experiente alcançaria a sala principal de sua alma.

Nelson era dessa classe de homens pouco preocupados com o que aparentam ser . O cabelo não seguia exatamente um corte especial, era curto e pronto. Gostava de camisas de gola e mangas compridas, com punhos em três dobras, e não usava relógio, apesar de ser sempre pontual.

Érica, que tinha o biotipo ideal, ficou sabendo que um grande desfile na Itália reuniria as mais belas modelos do mundo numa só passarela . Seu sapato de cristal era o nome na lista da SuperModel, uma das mais importantes agências do setor, algo que Nelson se prontificara a providenciar.

A família de Érica era estremamente conservadora, e seu pai, especialmente contra a carreira de modelo. Estava prestes a encarar o que fosse, deixando para trás a vida simples do campo, que tanto odiava, para correr o mundo em busca de seu sonho.

O grande dia

Ele estava ali, próximo ao relógio da praça, o lugar que havia combinado com Érica em conversa pela internet. Estava ansioso por conhecê-la e dobrava um caule fino de capim entre os dedos. Fumar, ele não podia, embora o desejo apertasse. Apesar das longas conversas que tivera com Érica, não sabia a reação da garota ao cheiro de nicotina. Por via das dúvidas, melhor não correr o risco de desagradar a garota.

Olhava ao longe o prédio da emissora de rádio. Nunca havia estado ali antes, mas ouvia muito falar daquele lugar. Contemplando umas bromélias vicejantes à sombra de outras plantas floridas, Nelson percebia que a cidade de Florinópoles tinha tudo a ver com o que ela descrevera. Era modesta, mas bonita.

O relógio da praça podia atrazar alguns minutos. Isso não importava muito, uma vez que tinha combinado com ela que o encontro seria às quinze horas daquele aparelho, não de outro. Próximo de onde estava, apenas um jardineiro cuidava de um canteiro de margaridas. As poucas pessoas que trafegavam naquela hora da tarde não se demoravam ali, de modo que Nelson era o único sujeito demonstrando esperar alguém e isso lhe provocava um ligeiro desconforto. Érica podia estar sendo monitorada pela polícia, ponderava temeroso.

De uns tempos para cá, Nelson pressentia que a qualquer momento esse seu trabalho lhe renderia uma cadeia, bem como sabia da pena por esse tipo de crime.

Passaram-se dez minutos até que uma garota loira, de cabelos lisos na altura dos ombros, aproximou-se do ponto onde Nelson estava. Ele viu que poderia ser Érica. Ela fez o sinal combinado e ele não teve mais dúvidas.

__Olá, Érica! Posso te chamar assim?

__Claro. Voce é o Nelson? __Ela perguntou e ao mesmo tempo redimiu-se com um sorriso tímido.

Ficaram olhando um para o outro por alguns segundos, até que ele indicou com o olhar um carro parado do outro lado da rua. Ela percebeu o convite e puseram-se na direção do veículo. Precisavam sair dali para conversar num lugar mais reservado.

No motel

Depois de depositar as chaves do carro sobre um aparador próximo à cama, Nelson descansou sobre um puf vermelho revestido de couro sintético.

Érica continuou com a bolsa junto ao corpo num gesto de contração. Ela fez um sinal de que ia atirar-se na cama, mas voltou-se imediatamente. Nelson percebeu e pensou na frase do italiano: "onde se ganha o pão, não se come a carne". O que precisava mesmo era embarcar a garota no primeiro voo para a Itália.

__Relaxa gata. Está ansiosa?

__Não. Não estou.__Érica disse isso demonstrando certa irritação, enquanto recostava-se nas almofadas do motel. Ela não tinha dúvida quanto a suas expectativas. Só estava tentando lidar com sensações tão estranhas ao seu modo de vida. Nunca pensou em deixar o país. Seria como passar uma borracha em toda a história que construiu na cidade pequena do interior. Entre essas expectativas ambiciosas ela reavaliava constantemente os valores de toda a sua história de vida. Era uma decisão e tanto.

__Que horas sai o voo?__Perguntou ela.

__Às 18:30. __Respondeu Nelson.

__Tem mesmo alguém me esperando no aeroporto de Milão?

__Tudo como eu te falei, princesa.

Nelson queria mudar o assunto. Repassar todas as instruções já estudadas parecia enfadonho. Ele não acreditava que isso a deixaria menos ansiosa.

__Caracas! Voce é bem mais bonita ao vivo. __Disse ele com os olhos fitos na garota.

Ela fez um riso amarelo e continuou escondendo seus sentimentos por trás dos cabelos loiros e fartos. Era realmente bonita. Sua mãe afirmava isso constantemente e ela não duvidava.

Érica estava certa de que tiraria o melhor proveito possível de sua beleza. Não faria como tantas outras mulheres do interior que definhavam ao longo dos anos numa vida medíocre como esposas de homens grosseiros e desleixados.

__É a Luciana mesmo quem estará me esperando? __Ela perguntou.

__Sim. A Luciana e o Gusmão. Ele é o cara.

__Sei.

Ela parecia querer que ele repassasse o plano. Sabia que tinha esse direito. Queria receber todas as garantias possíveis. Ele percebeu sua convicção e pôs-se a repassar os detalhes da viagem.

O plano

Érica deveriam sair de Florinópoles para a capital às 16 horas, podendo chegar a tempo de pegar o voo das dezoito e trinta.

__Levaremos uma hora e meia na estrada, se o trânsito estiver bom. Poderemos chegar uma hora adiantados, mas isso é a garantia que cobre qualquer imprevisto da viagem. __Explicou Nelson.

__Certo. Caso chegue adiantada, vou ter que matar uma hora no aeroporto, não é?

__Isso mesmo. Melhor adiantar que atrazar, concorda?

__Claro.

__Em todo caso, te deixo no saguão da companhia pelo menos quinze minutos antes. Esses voos são precisos no horário.

__Quantas horas de viagem?

__ O voo é sem escala. Voce vai direto para Milão. Deve chegar lá às 23 horas. Ou seja, são quatro horas e meia de viagem. Não se preocupe com nada. Como eu disse, a Lu e o Gusmão estarão te esperando. Eles a reconhecerão de acordo com as fotos que já enviamos.

__Quando é o desfile?

__Acho que acontecerá em uma semana após sua chegada. Não sei bem. A Lú está cuidando disso.

Érica ficou mais tranquila depois que Nelson repassou o plano da viagem, mas ainda havia muito suspense, embora ela procurasse encarar os fatos com bastante naturalidade. Seria uma viagem como outra qualquer.

Lágrimas

Ela jamais tinha viajado para tão distante, nem passado por mudança de vida semelhante a que estava prestes a experimentar.

Gostava da ideia de morar na Itália. Via-se como a personagem de um dos filmes que ela tanto gostava de assistir na casa dos pais. "Beleza Roubada", acho que era esse o nome do filme.

Podia imaginar o cenário urbano de uma das cidade mais belas do planeta. Toda aquela magia das cores no entardecer de Milão fariam em breve parte do seu cotidiano. Sonhava com as passarelas. Logo poderia aparecer em algum canal de televisão ou em uma revista de circulação internacional do mundo da moda. Agora tudo pode acontecer, era o que pensava. E esses mesmos pensamentos chocavam-se com a imagem de sua mãe.

Ainda cedo, antes de viajar para Florinópoles, Érica tinha estado com ela. No decorrer do dia, volta e meia os olhos pequeninos de sua mãe, emoldurados pelo lenço de algodão sobre a cabeça, tomavam-lhe de assalto a lembrança fazendo-a sentir uma saudade que deveria durar por um tempo indeterminado. Quando voltarei? Perguntava a si mesma.

Ela buscava tanger esses pensamentos para uma área menos importante de sua mente, e com eles, sua mãe, o que a torturava ainda mais. Havia uma lágrima pronta para rolar a qualquer momento. Sentia isso a todo instante.

Foi assim, perdida em pensamentos, que seus olhos se descobriram nos de Nelson. Ele estava agora ao seu lado. Érica nem se deu conta de que ele chegara tão perto. Sentia uma carência enorme. Estava mais vulnerável do que deveria se permitir.

Havia uma intimidade com Nelson formada pela internet, bem diferente do que ela experimentou quando o viu pessoalmente. Era como se tivesse que refazer todo o caminho percorrido quando se conheceram.

Os olhos foram invadidos por uma nuvem de lágrimas e ela tentou esconder o olhar. Protegia-se de uma maior aproximação dele quando sentiu suas mãos tocarem seus ombros. Sem vacilar, ela descobriu-se envolvida por um abraço extremamento afetuoso, portador de toda a energia de que precisava naquele momento.

Ficaram assim por algum tempo, até que ela percebeu ter molhado a manga da camisa dele com lágrimas.

__Desculpe!__Disse enquanto afastava-se dos braços de Nelson.

Recobrando toda a segurança roubada pelos sentimentos, Érica quase sentiu Nelson prendê-la junto a si. Levantou-se e caminhou até o espelho onde limpou as lágrimas com as costas da mão em punho. No reflexo, ele a observava.

A partida

Érica lembrou-se de que no começo, quando conheceu Nelson na internet, a relação parecia encaminhar-se para um romance, mas com o passar do tempo tinham entrado numa zona de cumplicidade apenas. Ela havia confessado-lhe a maior parte dos sonhos mais ambiciosos, e ele revelara-se extraordinário, compreensivo e com muitos contatos importantes no mundo das celebridades, ressuscitando todos os desejos infantis de que ela se desapegara com o tempo.

Em Florinópoles nada acontece, dizia ela. Mas voce não precisa viver para sempre em sua cidade natal, reforçava ele relacionando inúmeros motivos para que ela voltasse a sonhar.

As horas corriam. Só restava tempo para Érica tomar um banho e Nelson organizar a documentação para a viagem. Ele a acompanharia até o aeroporto da capital.

Minutos depois, o sol já esmaecia na tarde quando eles deixaram o motel. Cauteloso, Nelson olhou se não estavam sendo seguidos antes de pegar a autoestrada.

Para trás ficou a cidade de Florinópoles como uma fotografia em preto e branco. Pessoas imersas em suas próprias vidas iam compondo um cenário melancólico que sumia no retrovisor com uma saudade prematura.

Deixar o lugar onde viveu os primeiros dezoito anos de vida é sempre muito triste para qualquer pessoa, e Érica experimentava isso na alma.

Nelson era um bom motorista e Érica não levava muita bagagem. Não podia levantar suspeitas, e ao sair pela manhã, colocou poucas coisas numa mochila simples. Sabia que a essa altura sua mãe já devia estar preocupada com ela, e esse pensamento a incomodou muito naquele momento.

Durante uma hora e meia eles conversaram pouco. Cada um encarando sua parte como podia.

Nelson sabia que nada poderia dar errado. Corria-lhe um frio na espinha só de lembrar o que tinha acontecido ao Ricardo, um agenciador que quase deixou pistas durante uma operação frustrada.

Segundo Nelson ficou sabendo através do próprio Gusmão, a garota teria desistido do embarque na última hora e fugido do aeroporto. Depois, Ricardo apareceu morto e a garota foi dada como desaparecida.

Ainda que nem todas as garotas tivessem como destino a exploração sexual, havia rumores de que a polícia estava em cima desses agenciadores, quase fechando o cerco.

Pensar nessas coisas o apressava em dar logo cabo da missão, após o que pretendia pegar o dinheiro e sumir. A documentação necessária para isso já estava pronta. Esse seria o seu último trabalho, jurava a si mesmo.