Capítulo 7 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Caçada implacável



Relatório do Gusmão

Gusmão chegou ao Brasil com um relatório operacional bastante pessimista:

Primeiro, o embarque de Érica conforme o plano original fora prejudicado por uma intercepção da polícia que a esperava no aeroporto para dar o flagrante em Nelson e puxar o fio da meada de uma série de outros crimes praticados por ele a serviço de Gusmão.

Segundo, o plano "B", que consistia em Silvio matar Nelson e raptar Érica, falhara, deixando o próprio Nelson arisco.

Terceiro, alguém matou o Silvio e ainda recolheu de sua residência detalhes do plano secreto.

Quarto, Nelson estava desaparecido e a garota encontrava-se nas mãos de gente esperta, que estava metendo o dedo onde não fora chamada.

Quem seria essa gente também interessada no projeto? Essa era uma pergunta que Gusmão fazia a si mesmo. Não teria empenhado em vão quinze anos de pesquisa e investigações sobre o enigma que protegia os cem milhões de dóllares do ex-patrão mafioso.

Como motorista da família, Gusmão teria desenterrado as pistas que os próprios filhos do mafioso busvam ignorar. Agora, reconstruia a teia de informações secretas sobre o tesouro e congecturava acerca de quem mais pudesse ter acesso a elas.

A velha, essa estava no asilo. A filha do casal teria morrido em um estranho acidente, pouco antes de Gusmão comprar dela a SuperModel. O filho, este não passava de um preguiçoso que fugiu para a América negando a origem e tradição criminosa da fortuna do velho, ainda que não deixasse de usufruir dela.

Para Gusmão, a hipótese desse filho estar agora juntando as peças do quebra-cabeça que seu pai montou não fazia sentido. Ele teria despresado tudo enquanto estava em suas mãos. O pai só teria aberto um buraco no inferno e enterrado a grana pela rejeição declarada pelos próprios filhos. Se não deixasse para eles, não ficaria para mais ninguém. Esse era o pensamento do velho. Teria sido um mero capricho esconder o dinheiro, ao invés de destruí-lo.

Agora Gusmão precisava liquidar Nelson de uma vez por todas, encontrar quem raptou a "dama de ouro", desvendar o mistério e botar a mão na grana. Precisava de celeridade no caso, pois sentia que um indesejável participante da caçada ao tesouro, com informações elementares, estava desafiando sua organização criminosa.

Uma possibilidade de fuga

O fato de ter conseguido desamarrar-se era apenas parte do plano de fuga. O mais difícil estava por vir. Nelson tinha que acreditar na possibilidade de sair daquele porão o mais rápido possível. Sem essa esperança, ficava a mais desalentadora expectativa. Uma morte cruel nas mãos daqueles estranhos navegantes era o mais provável destino.

Ele tomou cuidado em que Érica também mantivesse a impressão de estar amarrada, pelo menos até o momento mais oportuno, que ele não sabia exatamente quando aconteceria.

Os homens continuavam bebendo e comendo no convés. Apesar de nauseados pelo balanço da embarcação, logo eles também sentiriam fome.

Palo desenrolar dos fatos, já passava muito do meio dia. Os homens agora estavam mais bêbados.

Nelson, voltando a espionar pela brecha da porta, pode ver junto ao acesso que haviam trocado de guarda. Agora permanecia um sujeito mais franzino que os outros. Essa poderia ser uma daquelas oportunidades.

Voltando-se para Érica, pensou se agia independente da opinião dela ou não. Relutante, caminhou para a porta e Érica percebeu que desse vez ele não ia apenas sondar o terreno. Tinha acabado de fazer isso e demonstrava aquela obstinação já conhecida.

Ele ia puxar a porta silenciosamente, quando notou que o homem não se encontrava montando guarda. Esperou e viu que ele retornava com um volume nas mãos, o que provavelmente era alimento.

O homem pôs-se a descer a escada. Nelson antes tinha a pretensão de abordá-lo por trás, enquanto ele se distraisse entregando a comida. Mas para isso, precisava fingir estar amarrado, o que agora não daria tempo. Só era possível fazê-lo já na entrega da refeição, assim que a porta abrisse.

Nisso, o homem já estava a um passo e Nelson ficou junto à entrada, de punhos fechados, sem respirar.

A porta girou e, vendo o vulto, Nelson desferiu três golpes, seguindo-se o baque surdo do corpo no piso da embarcação.

Caído aos pés de Nelson, o homem espalhou a comida pelo porão. É agora ou nunca. Pensou Nelson.

Nesse instante Érica ficou de pé, largando as cordas que mantinha fingindo-se ainda presa. Nelson voltando-se fez sinal para que ela aguardasse o próximo passo.

Revirando o corpo desmaiado tirou-lhe a arma e seguiu pelo canto da escadaria que sobe para o convés. Cautelosamente caminhou até onde a vista começava a alcansar o nível do piso. Era a chance. Firmando as mãos em posição de tiro, gritou:

__Parados ai! Todo mundo quietinho!

Na extremidade do barco, os homens se voltaram um a um para Nelson, até que o primeiro começou a sorrir, esboçando um sinismo insano diante da arma.

__Ora, ora! vejam só quem resolveu participar da festa!__Zombou um dos sujeitos.

Nelson podia espalhar a massa daquele cérebro pelo assoalho do barco, afinal, precisava mesmo diminuir o número de pessoas a embarcar no porão. Tinha que ser rápido nisso, sob o risco de não dar conta de todos sozinho.

__Não! Me solta desgraçado!__Érica gritou, rendida por um dos elementos que Nelson não viu atrás de si.

__Abaixe a arma, cara!__Ordenou o sujeito.

Ele sabia que era tarde para dar um passo atrás. Imaginava que tudo estaria perdido de qualquer jeito. Não dava para confiar naqueles caras, ainda mais depois de tê-los na mira de uma pistola. O jeito era diminuir a tripulação à bala.

No entanto, Érica estava sob a mesma ameaça. Enquanto eles a queriam, fosse para o que fosse, ela teria uma chance. Quanto a ele, largar aquela arma seria decretar a própria morte.

Sob pressão, ele largou a arma e ao mesmo tempo recebeu uma bofetada de um dos homens. Quando caiu, vários golpes foram-lhe desferidos, enquanto ouvia ameaças dos agressores.

Érica foi levada de volta ao porão do barco e os homens foram cogitar sob que modalidade Nelson seria morto.

__É rapaz. Eu acho que precisamos eliminar um pouco o peso do barco.__Disse zombando o homem que tinha sotaque boliviano, enquanto os outros caíam em gargalhadas.

Perseguição por mar

Enquanto isso, Gusmão se informava da rota certa por onde os estranhos elementos estavam levando Nelson e Érica. Tinha-os a um passo de onde seguia com seus homens, pilotando a lancha roubada de Nelson.

O barco da Irmandade Negra subia próximo a costa, rumo ao norte do país. Parecia buscar as águas doces da Amazônia, pegando a foz de algum rio por onde atingíssem a fronteira para a Bolívia. Ou, quem sabe, teriam um cartel na selva, de onde poderiam melhor organizar seus planos.

De volta ao porão

Após terem espancado Nelson o quanto quiseram, os homens da Irmandade levaram-no de volta ao porão. Menos mau. Nelson já se dava por morto. Teria ao menos algumas horas de vida. Estava bastante machucado.

Olhando em volta, notou que Érica não mais se encontrava naquele recinto escuro e fétido. O que teriam feito a ela? Essa percepção o incomodou. Viu como sofrer sozinho era ainda pior.

Com os punhos e as pernas novamente amarrados, dessa vez por cordas passadas em mais dobras que antes, ele sentia-se totalmente impotente. Estava refém. Tudo dera errado.

A porta se abriu, dessa vez cautelosamente, e um dos homens jogou aos pés de Nelson uma porção de carne grelhada. Antes de sair, voltando-se para ele, chutou-lhe o quadril e ordenou que comesse o alimento.

Nelson gemeu. E quando a dor passou um pouco pôs-se a comer, levando pedaços de carne inteiros até a boca, segurando-os com as pontas dos dedos.

Ocorreu-lhe a possibilidade da comida conter veneno, mas poderia morrer de qualquer jeito. Essa ideia associada à fome o encorajou a injerir aquele alimento. Seja lá o que Deus quiser, foi o que pensou.

Enquanto experimentava aquele alimento, Nelson pensou em como as diferentes circunstâncias submetem as pessoas a óticas também diferentes. Até bem pouco tempo não percebia o quanto é maravilhoso tomar um banho, receber uma chuveirada gostosa, sentir a água correr pelo corpo. Simples coisas como a liberdade de andar pela casa, pegar na estante o livro que quiser, comer o que desejar, agora eram vistas como privilégios dos deuses.

Ele via que esse também é um dos pepeis do cárcere privado: negar à pessoa coisas simples, direitos básicos, aquilo de que o próprio criminoso não abre mão. O crime inverte a ordem, subverte o conceito de justiça.

Nelson ponderava nisso, mas ao mesmo tempo sentia-se culpado por ele mesmo ser transgressor dessa ordem, maculador do conceito de justiça. A mesma que, uma vez necessitado, por ela tanto clamava do porão daquele barco.

Como é ruim não poder contar com alguém. Pensava Nelson. Se ao menos a polícia aparecesse, a mesma da qual ele tanto fugira em seus atos marginais, tudo poderia terminar bem. Certamente vivia uma crise de consciência forçada pelas duras circunstâncias.