Capítulo 6 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Ciranda dos fatos


Na Itália

Gusmão estava a ponto de cometer uma loucura. Amaldiçoara a irmã por convencê-lo a esperar, por mais tempo, algum retorno de Silvio.

Luciana passou o dia inteiro tentando falar com ele, mas ele não atendia o telefone. Gusmão teria jurado estrangular Silvio com as próprias mãos quando o encontrasse no Brasil. Teria muitas explicações a dar por ficar horas sem dar notícias em um momento tão importante como esse.

Ele tinha uma equipe técnica aguardando a chegada da "dama de ouro", pagando dinheiro vivo pela hora dos profissionais. Esse projeto não admitia falha e isso o atormentava. Estava reunindo seus homens de confiança para embarcarem num voo particular para o Brasil. Com sorte chegariam na manhã do dia seguinte.

Foi quando o telefone tocou.

__Chefe, aqui é H-4 falando!

__O que manda? Tudo certo para aquele passeio?

__Quanto ao passeio, tudo certo, senhor. Mas acho que tenho notícias relevantes.

__Fala de uma vez, homem!__Ordenou Gusmão furiosamente.

__O H-5 está morto.

Mantendo o aparelho ao ouvido, mas sem dizer uma só apalavra, Gusmão tentava trocar em miúdos o que acabara de ouvir. Sabia agora porque o Silvio não dava notícias. Estava certo quando desconfiou de falhas graves no plano. Seu contato era muito fiel para simplismenete desaparecer.

No mesmo instante, surgiu na sala sua irmã Luciana.

__Que houve Gu?

__Alguém matou o Silvio lá no Brasil.__Disse ele tapando com uma das mãos o fone do aparelho.

Após encerrar a ligação, Gusmão permaneceu em pé, com os braços apoiados sobre a superfície dura da mesa, olhando para a irmã a espera de uma ideia inusitada.

__Vai ao Brasil?__Perguntou ela.

Ele respondeu apenas com uma expressão de determinação que Luciana conhecia muito bem.

O passeio pela baía

Érica insistiu com Nelson num passeio de lancha pela baía. Ele topou, não sem levar a pasta preta. Pretendia continuar examinando mais um possível detalhe no material que Lúcio lhe fornecera. Assim, pôs a pasta dentro de um discreto e bem fechado compartimento da lancha.

Deixando-se exposta ao sol que brilhava por volta das dez horas, Érica sentia-se num paraíso. Pensou como era estranho o fato de Nelson ser tão solitário, não ter alguém para compartilhar, por exemplo, de um passeio naquela lancha. Valeria a pena ter tudo aquilo sem alguém em especial? Ele nunca falou sobre uma mulher que tivesse um significado maior em sua vida. Ao que parece, não tinha filhos, não falava sobre parentes. Aliás, Érica não sabia muito sobre a origem dele. No entanto, atribuía-lhe um voto espontâneo de confiança, mais por necessidade própria do que por qualquer razão.

Ela agora o via como o cara atraente do começo da relação pela internet. Assim que o viu pessoalmente, achou-o totalmente diferente do que costumava imaginar. Se não fosse o desejo de ir para Milão, teria dado meia volta quando finalmente o viu em Florinópoles. Ela pensava como seria engraçado confessar isso a ele um dia. Enquanto pensava, deixou escapar um riso. Ele notou.

__Que foi?__Perguntou Nelson demonstrando não se importar muito com a resposta.

__Nada.__Ela sentiu-se péssima ao responder. Sabia que ele lia expressões com a inteligência de um computador. Estava se entregando dessa forma. Assim, mudou o olhar para o mais distante possível, longe daqueles olhos grandes.

Nelson não era bonito, ela sabia disso. Mas o que ela mais temia era justamente ver graça nessa ausência de beleza padronizada. Aí é que mora o perigo, pensava.

Ao contrário de Nelson, a vida de Érica fora um livro aberto. Suas confissões emocionais durante o tempo em que se comunicavam online era o que alimentava a relação. Nelson sabia quase tudo sobre ela.

Ele sabia sobre o garoto do colégio com quem ela perdera a virgindade, sobre as emoções ligadas a esse fato, como ela achou que todo mundo em casa ia ficar sabendo. Ele era mais um guru, que outra coisa.

Não que ela não pervertesse de vez enquando esse conceito espirituoso sobre ele com pensamentos mais carnais. E ele era o grande responsável por esta forma de relação. Ela veria isso como uma virtude, não fosse a recente descoberta de que ele pretendia levá-la para trabalhar como prostituta na Itália, quem sabe, em regime de escravidão.

Era estranha essa admiração de vítima pelo criminoso. Isse deve ter uma explicação psicológica, pensava. Mas não era um cara qualquer, era o Nelson. Alguém com quem ela durante mêses aprendeu a confiar. E ela tinha mesmo essa confiança, como agora, vendo-o guiar a lancha pela baía, dando destino a sua vida.

O rápito

Finalmente Nelson enconstou no ancoradouro do chalé. Enquanto atracava a lancha, Érica seguiu para o interior. Já havia ficado exposta ao sol mais que o suficiente para acentuar a cor da pele.

Nelson pensou em abrir o compartimento da lancha e retirar de lá a pasta preta, mas resolveu fazer isso depois. Assim, entrou no chalé logo depois de Érica.

Ao passar pela área do deque, Nelson escutou um clique atrás de si e uma voz masculina ordenando que ele não se voltasse. No mesmo instante, Érica teve um grito contido por uma mão que a prendeu fortemente por trás tapando-lhe a boca e amordaçando-a.

Uma substância foi injetada em Nelson e quando ele acordou não reconhecia o lugar em que estava. As imagens pareciam um delírio. Quando recobrou os sentidos, notou que Érica fora mantida em sua companhia, agora sem a mordaça.

__Onde estamos? Perguntou ela em desespero.

__Shiii!!!__Fazendo sinal para ela falar baixo, Nelson olhou em volta avaliando a situação. Seus braços e suas pernas estavam amarradas com cordas de embarcação.__Acho que estamos no porão de algum barco.

__Quem são esses homens?__Perguntou Érica, agora falando em um tom mais ameno.

__Não faço ideia, Érica.__Respondeu Nelson, tão confuso quanto ela.__O Silvio está morto. O Gusmão até ontem parecia aguardar uma posição dele.

Após passar mais ou menos um minuto...

__Acho que essas pessoas não estão ligadas ao Gusmão.

Nelson nem bem acabara de falar e um homem obeso abriu a porta do porão.

__Está certo, meu rapaz. Não tenho mesmo nada a ver com aquele italiano patife.

Essa informação não tranquilizava Nelson e Érica. Fugir das mãos do diabo e cair nas garras do capeta não parecia fazer diferença alguma. Só estavam mais curiosos por saber quem era a terrível figura.

__O que quer de nós?__Perguntou Érica nitidamente trêmula.

__Correção: o que eu quero de voce, querida. O seu amigo não me interessa. Será útil apenas aos tubarões.

Essas palavras diabólicas combinavam perfeitamente com a figura do homem, que vestia uniforme preto e tinha o cabelo envolto por um lenço da mesma cor.

Nelson sentiu-se mais angustiado do que quando trocou tiros e matou os elementos no subúrbio da capital.

__Então voce é a "dama de ouro"!__Disse sarcasticamente o homem, enquanto fixava um olhar sádico em cima de Érica.

Da Itália para o Brasil

O jatinho pousou suave. Dele desembarcaram homens bem vestidos. No meio deles, Gusmão caminhava seguro rumo a um veículo que os conduziria até o hotel. De lá planejariam uma estratégia de busca por Nelson e Érica.

Estranhamente cercados por gente que repassava informações com a rapidez do vento, Gusmão e seus homens localizaram o, até então, esconderijo secreto de Nelson. Executaram uma invasão rápida e precisa, mas ficaram decepcionados por não encontrá-lo em casa, chutando alguns móveis e revirando tudo. Alguém tinha passado por lá antes deles.

__Quem acha que eram?__Perguntou um de seus homens.

__Deve ter sido o mesmo pessoal que matou o Silvio.__Congecturou Gusmão, enquanto examinava a casa revirada em busca de alguma pista de para onde teriam levado Nelson e Érica.

__Olha chefe, que belezinha!__Olhando para o pequeno cais, os homens viram a lancha.

Todos entraram a bordo. Quando deixaram a casa para trás, uma coluna de fumaça subiu junto com os estilhaços da estrutura.

No porão do barco

Nelson pensava numa forma de escapar. Não esperava nada de bom naquele porão. Não fazia a menor ideia do que todos, o Gusmão e agora esses outros bandidos, queriam com Érica, nem o que significava essa coisa de "a dama de ouro".

A manhã daquele dia foi de náusea, tontura e abafamento no porão do barco.

Os bandidos se revezávam na vigílha ao casal de prisioneiros. Até que uma certa hora, o elemento que estava vigiando foi chamado ao convés e finalmente Nelson e Érica ficaram a sóis.

__Érica.__Disse Nelson em sussurrou.

__Voce conseguiu?__Ela notou que ele tinha afrouxado a amarra das mãos.

Durante a viagem, Nelson consegiu, entre uma desatenção e outra dos guardas, desgastar os fios da corda esfregando-os na coluna de madeira áspera em que estava preso. Tinha esperado o momento certo para aplicar mais força e romper de vez os últimos fios que ainda o mantinham preso. Agora, com uma as mãos livres poderia desamarrar os pés e ajudar Érica a se soltar.

Ao liberar Érica das amarras e pôr-se de pé, Nelson se desequilibrou e bateu com as costas na parede do barco causando um certo estrondo. Paralizado de medo, esperou ser notado pelo acidente, mas ficou feliz ao ver que tudo continuava tranquilamente bem.

Olhando por uma falha da porta, Nelson notou que os bandidos estavam se divertindo no convés. Alguns deles bebiam, enquanto outros testavam força numa luta corporal aparentemente amistosa. Haviam um sujeito tocando um instrumento de cordas. Só então Nelson descobriu por que não tinha sido notado ao bater com as costas na parede do barco.

Nesse instantes um dos homens olhou de volta na direção da porta que dava com o porão e Nelson percebeu a manobra.

__Um deles está vindo__Disse para Érica.

__O que vamos fazer?__Perguntou ela.

__Fingir que ainda estamos presos.

Eles se atiraram de volta ao assoalho. Fizeram o possível para que as cordas parecessem prender suas mãos e pés. Nelson chegou a pender a cabeça num sinal de tédio.

O homem só queria conferir se estava tudo bem no porão e logo voltou para juntos dos outros no convés.

__Ainda bem.__Disse Nelson.

__Acha que podemos abordar um deles e tomar a arma?__Questionou Érica.

__Não. Eles são muitos, não acho prudente.

Érica havaliou a ótica de Nelson e buscou pensar em outra forma de saírem dali. Não queria se arrepender depois por não ter feito isso a tempo, mas não podia agir precipitadamente.