Capítulo 8 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Do mar para a terra



Na sala VIP

De onde estava, Érica podia ver o sol poente a oeste do barco. Uma enorme tela vermelho alaranjada extendia-se do horizonte até onde misturava-se aos tons azuis em que o céu mantinha um ar de dia sobre o mar imenso.

Depois da frustrada tentativa de fuga, ela foi encaminhada a uma sala razoavelmente confortável. Agora podia diferenciar um barco de uma lancha. O barco tinha vários compartimentos.

O chefe da irmandade tinha ordenado que Érica fosse bem tratada. Assim , ela teve até oportunidade de tomar um banho, se bem que odiou fazer isso com um cara na porta da cabine, quase sem privacidade alguma.

Ela fazia uma refeição, enquanto era observada pelo mesmo homem obeso que se apresentou no porão, sempre usando o lenço preto, característica de todos ali.

__Por que todos estão me caçando como a um rato?__Perguntou Érica.

__Calma garota, não se perturbe. Isso faz mal para a sua beleza__Disse o chefe com sarcasmo.__Quando disse "todos", quis dizer que tem mais alguém à sua procura?

Érica pensou se ele não estava blefando, mas também não viu nenhum grande propósito nisso. Buscava por acaso alguma informação? Pensou.

__Isso faz diferença?__Jogou Érica.

__Digamos que gosto apenas de saber quem são meus concorrentes.

__Pensei que fosse alguém cercado de informações.

Érica tentava provocar o homem a fim de arrancar dele uma reação útil a ela, não o contrário.

__Hum! Vejo que voce é bem esperta, senhorita Érica. Certamente conhece um italiano do mundo da moda, não?

__Sim. Conheço o Gusmão, mas não pessoalmente.

__Trabalha para ele?__Perguntou o homem.

__Olha só, voce me persegue, me sequestra, me conduz não sei para onde nem com que finalidade, sabe o meu nome sem que eu ao menos saiba com quem estou dialogando, se é que se pode chamar isso de um diálogo... Qual é a sua afinal? O que quer saber, pois está claro que ninguém faz tudo isso se não tiver total controle da situação. Então, por que não ir direto ao assunto?

__Oh, tenha calma, já disse. __apaziguou ele, demonstrando um auto-controle carregado de sinismo.__Já esteve na Itália ou trabalhou para o Gusmão, isto é, para a SuperModel?

__Não. Respondeu Érica após avaliar a pergunta.

__Soube da agência através do...

__Nelson.__Ela completou.

__Isso...do Nelson?

__Sim.__Érica mentiu.

Nelson havia revelado que antes dele a conhecer a SuperModel já possuía informações sobre ela. Contudo, Érica não achava uma boa ideia compartilhar algum dado relevante com aquele homem. Não sabia com que finalidade ele mantinha tanto interesse por ela.

Prevendo que ele esconderia dela essa informação até as últimas instâncias, também iria ocultar dele qualquer dado que num tempo mais crítico pudesse usar como barganha. Se a queriam para um fim além da passarela ou da exploração sexual, que revelassem então esse fim.

No encalço

Gusmão e seus homens a cada milha percorrida aumentavam o ódio e sede de vingança contra os homens da irmandade.

Durante a perseguição, foi necessário ancorar numa baía de pescadores para fazer um contato com sua irmão na Itália.

__Como estão os trabalhos?__Perguntou ele.

__Está tudo muito bem. Estamos esperando voce chegar com a garota. Já a capturou?

__Infelizmente não. Ela está em poder do mesmo pessoal que, segundo suspeitamos, matou o Silvio. Ao chegarmos na casa do Nelson, já não havia ninguém. Eles o raptaram junto com a garota, deixando a casa revirada e apenas a lancha encorada no cais. Nesse momento se deslocam para a fronteira ao norte do país. Estamos logo atrás.

__Suponho que voce esteja esperando a melhor oportunidade para pegá-los, não é meu irmão?__Havaliou Luciana.

__Sim. Isso mesmo. Estamos mantendo a distância para não levantar suspeitas, mas não iremos perdê-los de vista. É possível que o Nelson ainda esteja vivo, com eles. O cair da noite me parece oportuno para atacar e tomar a garota. Só então partiremos de volta, se possível ainda hoje.

Luciana ouvia atentamente o irmão traçar o plano "C", uma vez que duas tentativas haviam falhado.

Gusmão não contava com a aparição de um outro grupo de criminosos no caso. E isso estava intrigando-o muito, pois além de dificultar seu trabalho ainda era possível tratar-se de gente metendo o dedo no projeto secreto de resgatar os cem milhões de dóllares enterrado.

__Cuide para que tudo esteja pronto para darmos continuidade ao projeto assim que chegarmos, está bem?

__Sim. Pode deixar. Tudo está correndo bem por aqui.__Luciana tranquilizou o irmão.

O desfile

Em Milão um grande desfile estava sendo preparado pela SuperModel. Veículos de comunicação, como canais de TV a cabo, rádios e a imprensa em geral já estavam instalados nas dependências do Grand Hall Space, um suntuoso espaço contratado para abrigar o mais importante evento do ano no mundo da moda.

Súbita crise

Havia em Érica uma preocupação muito grande com o que estaria acontecendo a Nelson neste momento. Ele tinha sido um canalha vendendo-a para uma agência internacional de exploração feminina. Um crime horroroso, é evidente, mas Érica não podia negar o quanto ele estava sendo legal com ela nesses últimos dias, tudo o que fez, ficando ao seu lado em meio a perseguição, fuga e tiroteios, não a despresando em momento algum nem sendo grosseiro. Podia ser um crápula, mas era também cavalheiro. Havia mesmo uma cumplicidade entre os dois que parecia sobreviver a tudo.

No que dependesse dela, Érica iria proteger Nelson daqueles monstros do mar. Era com preocupação e presságio que via a noite chegar dentro daquele barco.

Uma onda de melancolia quis envolver Érica durante o cair da tarde. Uma tristeza parecida com aquela experimentada na pequena propriedade rural de Florinópoles, quando via pela TV as moças bonitas como ela desfilando, andando em shopping centers, aparentemente esbanjando felicidade, enquanto ela via-se atolada em uma vida simples no campo, de casa para a escolas, sem acontecimentos importantes. No ápice daquela tristeza, Érica teria chegado a cogitar um suicídio. Sentira-se injustiçada por Deus, nascida para sofrer. Sua história de vida era semelhante a daquela santa que sua mãe reverenciava. Fora martirizada por uma força invisível, que a todo tempo dizia-se benévola e provedora, enquanto ela só assistia em torno de si calamidade, desolação interior e desmerecimento enquanto ser humano. Era enigmática a razão da opressão que sentia, via-se condenada só pelo fato de ter nascido, punida severamente antes de pecar. Era sem dúvidas uma injustiçada em sua vida, incompreendida, desassistida do mundo, nascida para sofrer, parte de um projeto mesquinho do acaso.

Agora, no barco, o quadro configurava-se num cenário ideal para a reincidência desses pensamentos de auto-piedade. Estava nas mãos de criminosos frios, levada para onde não fazia a menor ideia, enquanto o sonho de desfilar nas passarelas de Milão ficava para trás, junto às espumas que o motor do barco levantava da superfície calma das águas em um grande rio da Amazônia.

Força interior

Toda a opressão interior de que fora formada em sua personalidade fazia de Érica uma sonhadora. Mantinha viva a chama do desejo de romper gloriosamente todo o elo com aquele carma que a perseguia nos momentos mais inesperados da vida.

E agora, era essa mesma força interior que levantava a sua cabeça no meio desse cativeiro, fazendo-a acreditar que chegaria em Milão a tempo de participar do desfile, sob qualquer circusntâncias, não importando muito se sua agência era a ferramenta de um crime contra a mulher. Ela iria usar essa mesma ferramenta para galgar seu objetivo e ferir o destino. Érica a tomaria das mãos de seu opositor implacável e o venceria com suas próprias armas. Sim, ela iria até o grande desfile da SuperModel, afinal, tinha seu nome inscrito, não é mesmo?

No fundo do porão

A cada hora no porão do barco, Nelson sentia a esperança diminuir. Havia escapado vivo de duas emboscadas, estava logrando êxito em fugir do provável destino que Gusmão planejou para ele, mas ainda continuava nas mãos da irmandade negra.

Havia um temor de que o pior poderia acontecer a qualquer momento, e o pior nesse caso seria mesmo uma execução. Isso o apavorava muito, tornado ainda mais dificil a sobrevida naquele porão fétido.

Nelson perguntava a si mesmo sobre a possibilidade de Érica ainda estar viva a essa altura. Ao mesmo tempo, concluía que se ele continuava vivo, ele que parecia menos importante para os criminosos, seria um bom indício de que Érica estaria viva também. E isto o consolva em meio a toda aquela desolação.

Ele já havia desistido de tentar soltar-se das cordas. Dessa segunda vez os bandidos teriam feito um trabalho melhor, prendendo-o junto a uma argola fixa em uma coluna mestra. Não daria para desgastar a corda, uma vez que a coluna não era áspera como a outra. Se havia uma chance de escapar, Nelson ainda estava por conhecê-la.

Da gentileza ao estupro

Depois de deixar Érica sozinha sob a guarda de um de seus homens, o chefe da irmandade negra voltou a sala.

Quando ele entrou, Érica supôs haver algo ainda mais estranho naqueles olhos terríveis.

__Eu estive em contato com o Gusmão por telefone ainda a pouco.__Disse o homem e analisou a reação de Érica. Ela desviou o olhar com despreso.__Ele me propôs entregá-la por uma quantia em dinheiro. Estou estudando a proposta.

Érica estava prevendo onde o criminoso pretendia chegar. Era odiável esse tipo de coisa. Aquele sujeito não teria ido ali apenas para tratar desse assunto. Faria isso independente da opinião dela. Seus olhos não conseguiam esconder uma outra intenção.

O chefe da irmandade teria feito um sinal para o homem da porta quando entrou, e em resposta recebeu um sorriso sarcástico que Érica não deixou de notar. Ela não era ingênua assim para não perceber a manobra. Dessa forma, permaneceria calada. Não iria facilitar.

__Ora, ora. Nossa "dama de ouro" resolveu ficar muda agora, é? Acha mesmo que não tem nada a oferecer-me a curto prazo, garota?

O homem sorriu para Érica com nítido sarcasmo, ao mesmo tempo que avançou para cima dela com recusáveis intenções de intimidade. Ela olhou em volta procurando qualquer coisa que pudesse lançar contra aquele crânio doentio e encontrou, não muito distante, uma estatueta de metal, ideal para um arremeço potente.

Ele punha-se a rasgar a roupa de Érica e avançava em seu deplorável intento. Foi quando ela conseguiu pegar o objeto e o arremeter contra a cabeçoa dele, que subitamente levou as mãos à parte atingida.

Fluía sangue da abertura no couro cabeludo, e ao ver que estava ferido, o homem ficou ainda mais furioso. Cerrando os dentes, e lutando para dominar os esforços de Érica, ele continuou, até que ela acertou o joelho direito em cheio nos órgão genitais do sujeito.

Limpando o sangue que escorria da ferida, ele buscava suportar a dor que o segundo golpe havia provocado. Assim, tornava-se inviável sua investida, pelo menos por enquanto.

Ele deixou a sala, enquanto ela se recompunha após lutar com tão brutal criatura.

Érica sentia calafrios só de imaginar que podia a qualquer momento ser estuprada por aquele selvagem. Seria por demais cruel, uma vez que só a tentativa do ato provacara sensações de nojo e repúdio.

Era revoltante demais que uma pessoa se valesse de uma vantagem física para sobrepor-se à vontade de outra. A lembrança de que não estaria escape a uma nova investida era apavorante.

Deixando os braços penderem frouxos pelo corpo, Érica sentiu-se péssima como jamais sentira-se. É estranho como nas horas mais desanimadoras é que somos chamados a lutar.

Ela sentia estar prestes a conhecer um lado sombrio de si mesma, algo que até então não conhecia. Se aquele sujeito tentasse outra vez, ela o mataria sem exitar. Era só no que pensava agora.

Não deixe de ler a continuação do livro. O capítulo 9 está em fase de edição.