Capítulo 3 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Uma noite violenta


Juntando as peças

Érica estava confusa, mesmo assim não tinha nesse momento com quem contar a não ser com Nelson. Já havia cometido muitos erros em sua vida, e sabia que talvez estivesse no meio do pior deles.

Em um só dia havia deixado para trás toda a segurança de que compartilhara com a família em Florinópoles e mergulhado num turbilhão de episódios chocantes para qualquer pessoa. Ao mesmo tempo, olhando para Nelson ela podia sentir materializada aquela confiança desenvolvida durantes mêses na relação virtual.

Não sabia ainda se o sonho tinha ido por água abaixo. Não tinha exata ideia daquilo em que estaria metida. Uma coisa a surpreendia e fascinava em tudo aquilo: Nelson além de bonito era duro contra quem cruzasse o seu caminho. Podia não embarcar hoje para Milão, mas nada impedia que fizessem juntos novos planos. Alguma coisa estava acontecendo fora do previsto e ela não queria pressioná-lo agora. Preferia ver por esse ângulo.

__Eu já paguei um preço alto por não dar ouvidos a minha intuição.__Disse Nelson.__ E o que eu estou sentindo agora é que, pelo menos dessa vez, teremos que adiar sua ida para Milão.

Érica apenas o olhou, inexpressiva. Era isso exatamente o que ela acabara de pensar.

Ele sabia que em parte era verdade. Sempre pretendeu fazer um trabalho de trampolim, através do qual pessoas com sonhos ambiciosos como Érica pudessem chegar ao sucesso. Era um bom articulador, relacionava-se muito bem.

Precisava ter certeza do que estava acontecendo. Tinha uma semana para enviar Érica em outro voo, caso suas suspeitas sobre quem estaria por trás da emboscada não apontassem o próprio Gusmão como mandante. O caso de Ricardo teria posto sal na moleira de Nelson.

Agora, sentia que precisava fazer algo diferente por esta última modelo agenciada por ele. Estava disposto a levá-la pessoalmente a Milão, se preciso fosse.

Visitando um amigo

Chegando a uma rua cheia de imensos galpões aparentemente abandonados, Nelson e Érica pararam em frente a uma loja de peças de automóveis por volta das 20 horas.

A entrada do galpão era escura. Ao fundo apenas uma luz acesa dava um fraco sinal de vida ao ambiente. Um cão vira-latas propôs-se a recepcioná-los, mas Nelson optou por chamar no interfone. Uma voz grave como um trovão explodiu no aparelho rouco perguntando: quem é?

__Sou eu. Nelson.

Com óbvia má vontade, a voz no interior da loja resmungou qualquer palavrão seguido de um "já vai!".

Érica, que estava um pouco atrás de Nelson, contemplou um homem de fisionomia grosseira quando o portão se abriu. Ele lembrava os caminhoneiros obesos, cuja truculência se confunde com a de seus imensos e pesados veículos.

Ao ver Nelson aquela fisionomia se tornou bem mais amistosa.

__Que foi dessa vez, cara?__Perguntou o homem.

__E então, Lúcio, não vai nos convidar a entrar?

__Claro.__Disse Lúcio gesticulando para que entrassem. __Quem é a moça?

__Uma amiga.

__Como vai?__Érica o cumprimentou estendendo a mão. Lúcio a olhou numa expressão indecifrável enquanto retribuía o cumprimento. Ela sentiu sua mão como se tocasse a superfície áspera de uma lixa de parade.

Tecendo comentários irrelevantes, dirigiram-se para os fundos, onde um espaço mais iluminado paracia ser o ponto vital do imóvel.

Érica notou que a relação de Nelson com Lúcio era mais amizade que negócios. Ao ver o interior do galpão ela certificou-se de que uma oficina mecânica funcionava ali. Havia muitas ferramentas espalhadas pelo chão e motores pendurados em cavaletes por grossas correntes. Qualquer superfície no ambiente estava coberta por graxa, óleo e poeira.

__E então, Nelson. O que manda dessa vez?__Perguntou Lúcio, agora mais amistoso que antes.

__Tem uma coisa que eu queria que voce verificasse por mim.

__Hum, vejamos. __Disse Lúcio enquanto abria uma segunda porta.

Ao entrar com eles numa espécie de cabine, Érica ficou ainda mais surpresa. As paredes eram cobertas por vários equipamentos eletrônicos, fones de ouvidos, telas e cabos por todos os lados. O que ela esperava ser o escritório da ofina parecia mais um estúdio de som.

Nelson tirou do bolso o celular que recolhera do bandido e o entregou a Lúcio. Sem dizer uma só palavra, o homem de aspecto grosseiro buscou entre vários cabos um que conectasse ao aparelho. Finalmente achou o padrão e em poucos minutos um gráfico na tela deu sinal de conexão.

Após um tempo, Lúcio desconectou o aparelho e o entregou de volta a Nelson. Depois, tomou nota em um papel, destacou do bloco e o entregou a Nelson.

__E aquele trabalho, já está pronto?__Perguntou Nelson a Lúcio.

A presença de Érica parecia embaraçar Lúcio e ela notou. Percebendo que eles queriam privacidade, desviou o olhar e caminhou até outra área do galpão.

Após algum tempo os homens voltaram a falar mais abertamente.

__Algo mais, meu velho?__Intimou Lúcio.

__Sim.__Respondeu Nelson.__Voce tem um para-brisa dianteiro para o meu carro?

Lúcio só precisou de alguns minutos para repor as peças do carro. Gastou mais tempo procurando-as em meio a tanta sucata empilhada aleatoriamente.

Prontinho__Disse Lúcio enquanto limpava as mãos no macacão sujo.__Algo mais?

__Não. Obrigado Lúcio.__Nelson refez-se do estado de espírito compenetrado em que estava. Parecia preso às informações que acabara de receber. Recuperando-se, apertou a mão do amigo e ganhou tapinhas amistosos nas costas dessa vez.

__Te devo essa.__Disse ironicamente se despedindo.

__Vou por na conta, rapaz.__Retribuiu o amigo esforçando-se por acabar de fixar bem a borracha do vidro.__Amanhã tenho muito trabalho.

Érica concluiu que Nelson devia ter prestado antes algum serviço a Lúcio, que só esperava a oportunidade de retribuir o favor.

Lúcio os acompanhou até o portão e Érica ficou feliz ao ver que não dormiriam naquele lugar. Apesar da nítida amizade entre Nelson e Lúcio, não havia esse tipo de familiaridade entre os dois.

Na rua, o frio da noite se intensificava. O relógio sinalizava vinte e duas horas, mas apesar de cansada Érica não estava com sono. Ela adorou a temperatura no interior do veículo enquanto arrancavam dali velozes pela noite a dentro.

Nelson pensava no nome e endereço revelados por Lúcio. Érica pensava em Milão, o futuro adiado, e em Florinópoles, o passado irremediável.

A Irmandade Negra

Lúcio preparava-se para dormir quando ouviu a campainha tocar. Balbuciou um palavrão e esperou a possibilidade do incômodo vizitante desistir.

Novamente a campainha tocou. Irritado apanhou o interfone e perguntou quem era. Do outro lado ouviu a voz identificar-se como Nelson.

Amaldiçoando o amigo, ia atender a porta quando um pensamento o deteve: por que o Nelson voltaria em tão pouco tempo? Não parecia coerente. O sangue gelou nas veias quando ele percebeu que a voz não era de Nelson. Só pode ser gente da pesada, concluiu rápido.

O forte homem só teve tempo de pegar o revólver que estava debaixo do travesseiro antes que uma saraivada rompesse as trancas do portão.

Ele não demorou em devolver o fogo atirando contra os invasores.

Lúcio ficou logo sem munição e antes de recarregar a arma foi rendido pelos invasores. Ainda tentou reagir corporalmente, mas foi dominado após receber um golpe na cabeça.

__Onde está ele?__Foi o que ouviu de um dos estranhos enquanto ainda tentava recuperar os sentidos.

__Ele quem?__Argumentou, lenvando as mãos à cabeça.

__Não se faça de desentendido, ouviu?__Bradou o elemento ameaçando completar o que começara.__O Nelson esteve aqui com a garota, certo? Para onde eles foram?

Dando-se por vencido, Lúcio resolveu colaborar parcialmente.

__Sim. Eles estiveram aqui, mas saíram ainda a pouco. Não devem estar muito longe.

__E o que ele queria?

__Repor o para-brisa do automóvel. __Disse Lúcio, esperando que essa resposta fosse suficiente, enquanto notava que todos aqueles elementos vestiam-se a caráter.

Eles usavam ternos pretos, alguns com finas linhas de cor cinza, mas todos estavam com os cabelos cobertos por lenços negros. Eram como uma irmandade. A Irmandade Negra, pensou Lúcio.

Já havia identificado algo parecido na América do Sul. Não estava certo se na Colômbia ou Venezuela. Como não tinha se aprofundado em conhecer o seguimento de crimes do grupo superficialmente detectado através de sua CPIS, não poderia dizer com precisão se esses bandidos que agora invadiam seu galpão tinham alguma coisa a ver com eles. Uma coisa era certa, o que falou com Lúcio não tinha nenhum sotaque forte no português.

Enquanto Lúcio era interrogado, um dos outros homens vistoriava o galpão. Ele lembrou-se do cuidado que devia ter com a porta da cabine. Não estava certo de tê-la disfarsado bem, como era de costume. Se eles a descobrissem, era o fim.

A CPIS

Lúcio sentia que sua vida estava por um triz. Tinha em casa o que chamava ironicamente de CPIS, uma sigla para "Central Pirata de Informações Sigilosas". Esse nome estava inclusive grafado na porta, por trás de um painel de chaves posto estrategicamente para disfarsar. Como todas as paredes eram feitas de chapa metálica, ficava difícil perceber a porta ali existente.

Na CPIS Lúcio falsificava documentos, entre outros "milagres" da pirataria. Dessa forma, o serviço de mecânica automotiva no galpão funcionava como fachada para uma verdadeira acessoria gráfica e tecnológica oferecida, não apenas a um grupo de criminosos, mas a vários.

Apesar da aparência grosseira que fazia questão de manter, Lúcio era um expert em serviços secretos, o que lhe rendia uma boa reputação no mercado negro dos mais sofisticados crimes.

Um dos clientes de Lúcio era o italiano Gusmão, para quem Nelson estivera prestes a encaminhar Érica.

Temendo pela própria vida, Lúcio tentava descobrir a que grupo aqueles homens pertenciam. Teriam vindo ali apenas buscar informações sobre o paradeiro de Nelson ou sondar seu barracão?

Até então, Lúcio não vinha tendo problemas com nenhum de seus clientes. O que estaria dando errado dessa vez? Era isso o que ele tentava entender enquanto os homens vistoriavam o lugar.

Por fim, ficou feliz quando o que parecia ser o chefe daquela irmandade deu-lhe uma pancada de misericórdia e afastou-se na direção da porta, fazendo sinal para que os outros deixassem o local.

Quando eles finalmente saíram, Lúcio olhou na direção da CPIS e agradeceu aos céus ao ver que ela continuava discretamente encoberta. Eles não a tinham notado.

Respirando aliviado, ouviu algo como um cronômetro sonorizando uma contagem regressiva. Aguçou mais os sentidos na tentativa de apurar a origem do barulho, antes que estilhaços de toda a estrutura do imóvel viéssem em sua direção. O galpão explodiu.