Capítulo 5 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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O mapa do tesouro


Escritório da Mila Rio's em Milão

Gusmão estava irritado com seu contato no Brasil. Nelson não era bobo e podia estragar tudo a partir das evidências deixadas nas duas tentativas fracassadas de matá-lo. Como poderia contratar gente tão incompetende para fazer o serviço? Era o que Gusmão se perguntava.

__Diga para a senhora Luciana vir à minha sala urgente!__Ordenou Gusmão pelo interfone. Do outro lado a fraca voz da secretária respondeu que sim e logo Luciana apareceu na sala presidencial da Mila Rio's.

__Pois não, Gusmão! Quais são as novidades?__Havia quase que uma ironia na pergunta de Luciana. Ela sabia do andamento das coisas. Tinha ficado até tarde na noite anterior, em companhia de Gusmão a esperar uma ligação do Silvio.

__Será que eu mesmo tenho que cuidar desse assunto no Brasil?__Disse irritado com a falta de retorno de Silvio. O tempo estava passando e ele não dava sinal sobre o andamento da operação.

Era um cara objetivo. Não tornou-se dono de uma das mais importantes companhias de moda do pais equivocadamente. Era infalível em tudo.

A Mila Rio's Company tinha sido um dos negócios pertencentes a uma família tradicional da Itália, mas que Gusmão comprara ao desligar-se do grupo italiano para quem trabalhou por quinze anos.

Quem tocava a agência de modelos, até Gusmão entrar no negócio, era a única filha do antigo mafioso, mas ela teria morrido em um acidente. Gusmão, que já havia feito um pé de meia trabalhando para a família, comprou a empresa, passando a adminitrá-la em conjunto com a irmã Luciana, recém-formada em administração.

Dos antigos mafiosos, somente a matriarca ainda vivia, embora definhava em um asilo nos arredores de Milão. Um filho do casal teria se recusado a participar das atividades do pai e logo cedo fora expulso de casa pelo velho criminoso, indo morar na América do Sul.

Todos os outros parentes envolvidos em crimes teriam sido mortos ou condenados a prisão perpétua. Outros haviam a muito tempo deixado o crime. E embora antes de morrer o velho tivesse investido parte do dinheiro em negócios legais, a maior parte estava agora nas mãos de administradores e do governo. Muitas das propriedades da família permaneciam só no nome, logo seriam desapropriadas e confiscadas pela receita.

O tesouro escondido

Entre as lendas que remanesciam sobre a família de mafiosos, uma dava conta de que havia uma fortuna de cem milhões de dóllares secretamente guardada por um indecifrável enígma. O mafioso teria escondido a fortuna em algum lugar do mundo, não se sabe onde nem de que forma, e elaborado um segredo através do qual o acesso à fortuna, uma espécie de mapa do tesouro, seria revelado. Só que ele teria morrido sem revelar o segredo a ninguém. A própria família negou o fato quando investigada, sem contudo impedir que algumas pessoas descartassem-no. O principal caçador desse tesouro era Gusmão, um sujeito ambicioso que em quinze anos teria passado de motorista a dono de uma das empresas da família.

O governo italiano nunca soube precisar o quanto a família de mafiosos devia ao estado, e agora estava prestes a liquidar o assunto ao confiscar seus últimos bens. Se a fortuna esquecida sob o status de lenda existisse mesmo, seria um tesouro legal a espera de um novo dono.

Gusmão entendia ser o único sabedor disso e agora estava prestes a reunir todas as peças do enígma. Bastava apenas que Érica fosse levada até Milão.

__Não acha melhor esperar um posicionamento de Silvio?__Sugeriu Luciana.

__Não sei. É estranho que ele ainda não tenha me ligado. Deve ter fracassado e agora se esconde temendo minha reação. __Ponderou Gusmão, quase acertadamente.

__Não podemos aguardar um pouco mais?__Sugeriu Luciana. __O Silvio nunca falhou antes. É possível que, diante de algum imprevisto, ele mesmo dê conta do trabalho.

Em resposta, ela recebeu apenas um olhar frio do irmão. Com certeza estava muito desapontado.

No Brasil, mais um crime

A polícia da capital estourou um cativeiro no subúrbio. Um homem, depois identificado como Silvio, tinha os pés e as mãos amarradas, rosto inchado e evidentes ematomas que denunciavam sinais de tortura.

O laudo necrocóspico determinava que o crime teria sido consumado na madruga da última noite.

Missão falha

Dias antes, Gusmão teria sido informado de que a polícia havia montado um esquema para dar um flagrante em Nelson no aeroporto. Por isso, deu ordem a Silvio para abortar o plano original, matando Nelson e raptando Érica, evitando que caíssem nas mãos da polícia permitindo que evidências de coisas mais relevantes fossem dispersas.

A ordem para matar Nelson viera à calhar, desde que Silvio soube que ele estava prestes a deixar o trabalho sujo, repassando a informação ao chefe na Itália. Agora, sob uma maior probabilidade de ser pego pela polícia, era impressindível que morresse.

Esse era um modo precavido de Gusmão dar aposentadoria aos caras que trabalhavam para ele como agenciadores de mulheres. Econômico e limpo, como Gusmão repetidas vezes comentava com Silvio, seu homem de confiança no Brasil.

Os homens contratados por ele para dar cabo de Nelson falharam e foram mortos. Agora, o próprio Silvio tinha sido executado. A polícia só precisava juntar os fatos.

Almoço no chalé

Érica foi tomar um banho. Nelson achou oportuno dar uma olhada melhor na pasta preta que Lúcio lhe entregara. Ficou tentando entender por que Gusmão tinha se referido a Érica como "a dama de ouro". Ele mesmo tinha enviado à Itália mais de dez mulheres. Não parecia tratar-se de uma lista comum.

Ao sair do banho Érica notou que Nelson estava empenhado no caso. Ela concordou que diante dos fatos era impossível relaxar. Sentia que a qualquer momento alguém surgiria de armas em punho querendo ver a pele de Nelson, e a dela própria, do lado avesso. A essa altura não dava para levar o caso à polícia. O próprio Nelson havia matado dois homens. Sentia-se cumplice de um cara que por pouco não a entregou a um explorador de mulheres.

__Pode vir aqui um instante?

Érica não exitou.

Ele pode sentir mais de perto um cheiro agradável de produtos pós-banho.

__Está vendo?__Disse ele exibindo uma relatório impresso onde Érica era descrita como "a dama de ouro".

__Tem ideia do que quer dizer?

__Infelizmente, não. É sem dúvidas um enigma.

__E por que voce acha que o Gusmão queria vê-lo morto?__Indagou Érica.

__Queima de arquivo. Eu estava prestes deixar de trabalhar para o italiano. Quanto a esse braço direito dele aqui no Brasil, eu nem mesmo o conheço.

__E voce chegou a comentar com alguém?__Perguntou Érica.

__Sobre?...

__Sobre deixar de trabalhar para o Gusmão.__Érica concluiu e ficou esperando a resposta. Nelson parecia irresoluto.

__Sim, e não.

__Como assim?__Pressionou Érica.

__Não cheguei a falar claramente, mas acho que o Lúcio poderia saber. Para a informação ter caído nos ouvidos do Gusmão, não deve ter faltado muito. Era só questão de tempo.__Ao dizer isso Nelson cuidou que alguma coisa na pasta não fosse vista por Érica. Tinha algo mais que ela não podia saber. Não agora, pelo menos.

__Claro, afinal, ele trabalhava também para o italiano.__Congecturou Érica.

__Sim, mas não como informante. Se não o italiano não teria contratado alguém para esse fim exclusivo. As atividades de Lúcio eram somente essa coisa da papelada falsa e nisso ele não servia apenas ao Gusmão. As meninas saíam do Brasil com um nome e desembarcavam em Milão com outro. Muitas vezes, até com outra idade, se é que me entende.

__Claro__Disse Érica.

__Quem pois teria matado, ou mandado matar o Lúcio?__Questionou Érica.

__Não sei. Mas algo me diz que tudo isso, a emboscada a nós e a morte dele, não são fatos isolado. Pode ter tudo a ver com o braço direito do Gusmão.__Concluiu Nelson.

Fechando a pasta, pôs-se de pé e caminhou até o bar onde uma caixa de charutos o aguardava.

__Voce fuma?__Perguntou ela com um sorriso disfarsando a surpresa.

__Sim. Disse ele enquanto com um sorriso dissimulava o vício.

Ficaram em silêncio por alguns instantes, até que...

__Posso sair?__Perguntou Érica quase que ironicamente.

__Não, minha prisioneira.__Respondeu ele com evidente sarcasmo. __Eu diria que não é tão seguro expor-se aqui. Aliás, nada mais é seguro com tudo isso acontecendo, compreende?

Ela concordou, mas lembrou-lhe que já era meio dia, hora de comer alguma coisa.

__O que vai querer, madame?__Disse ele já pegando o telefone.

__Uma bomba em delivery?__Ela zombou.

Um dado elementar

Nelson sabia que um cara chamado Sílvio estava por trás da tentativa frustrada de assasiná-lo. Tinha descoberto isso através de Lúcio minutos antes dele virar pó. Agora só precisava ter certeza se esse Silvio tinha ligação com o Gusmão.

Precisava pegá-lo antes que ele o pegasse. Se era mesmo gente do italiano, Nelson e Érica não teriam sossego dali por diante. Não queria correr o risco de receber a mesma aposentadoria que Ricardo recebeu. Era injusto servir o cara por tanto tempo e acabar morto.

Érica dormiu quase a tarde inteira. Quando acordou viu que Nelson estava na área do deque. Ele notou sua aproximação e a aguardou sem se voltar.

__Alguma novidade?__Perguntou Érica.

__Temos algo a checar.

__O que?

Vamos fazer uma visitinha a um ilustre morador da baía.

__Quem?

__Esse tal de Silvio.

Após alguns minutos, Nelson e Érica chegaram ao endereço passado por Lúcio antes de morrer.

__Preciso ir também?__Perguntou Érica.

__Melhor voce permanecer no veículo.__Recomendou Nelson.

Depois de sondar os arredores do imóvel, ele notou que não havia gente guarnecendo a área. Melhor ainda, pensou. Isso pouparia munição, tornando tudo mais fácil.

Uma olhada através da vidraça deu-lhe a impressão de que lá dentro não havia ninguém. Mantendo a pistola para um rápido saque, Nelson circulou pelo lado da casa, onde um arbusto com espessos galhos se projetava para uma janela próxima a uma elevação do terreno. Com dificuldade escalou a parede e encontrou a janela aberta, mas intacta. Chamou sua atenção a desordem que o ambiente apresentava.

Ao entrar pela janela, Nelson teve certeza de que o ambiente já havia sido invadido. Alguém tinha revirado tudo, provavelmente buscando alguma coisa de que precisava muito. Havia o risco de alguém estar ali à espreita, mas após uma rápida vistoria Nelson certificou-se de que a casa estava deserta.

A luz da tarde era tênue. Haviam vários papeis espalhados pelo chão. Nelson precisou de uma lanterna que trouxe para poder escolher o material que lhe parecesse interessante.

Ele não estava seguro quanto ao material que conseguira juntar para finalmente checar se Silvio tinha ou não alguma relação com Gusmão. Já deixava o interior do imóvel quando olhou o aparelho de fax jogado num canto, mas ainda plugado na tomada da parede. Apertou a tecla e chamou a últma ligação feita para aquela linha. Quão grande foi a surpresa ao ouvir a voz de Luciana, a irmã do Gusmão tentando falar com Silvio.

De volta ao chalé

E aí?__Perguntou Érica.

__Voce não acredita se eu te disser.

__Credo! Fala de uma vez.

Nelson não respondeu. Apenas jogou uma resma de papel sobre o painel do carro e entrou o mais depressa que pode. Arroncou dali tirando barulho dos peneus no asfalto.

__Acabamos de deixar para trás a casa do senhor Silvio.

__Sério?__Admirou-se Érica.

__Isso mesmo. O contato do Gusmão. O cara que mandou aqueles jagunços para nos matar. Sabe de uma coisa, ainda acho que eles te queriam viva. Por que, não sei.

__Por que acha? Seria eu tão inútil assim?__Ironizou Érica.

__Não brinca, garota. A coisa é séria. Eu duvido que o interesse deles em voce, se é que minhas suspeitas se confirmam, sejam apenas para exploração sexual.

__Por que acha?__Perguntou ela, agora demonstrando preocupação.

__Garota para exploração sexual eles importam todos os dias, do Brasil, da Venezuela, do Uruguai e de qualquer país da América Latina. Eles não precisam revirar o mundo em busca de uma.

Ela achou que as palavras de Nelson faziam sentido sim.

__E tem um detalhe.

__O que? Perguntou curiosa.

__A casa foi invadida por alguém antes de mim. Tudo estava revirado.

Mais um plantão noticiário

Ao chegarem no chalé, mal ligaram a televisão para ouvir no plantão noticiário local a manchete que dava conta da morte de um sujeito chamado Silvio. Nelson ficou pasmo ao ver a fachada da casa da vítima durante a reportagem. Tinha estado lá ainda a pouco tempo.

A noite caiu na prainha criando vários pontos de luz espalhados pela orla. O lugar tinha um sossego que dava medo. Parecia cenário de filmes de suspense.

Nelson acendeu a lareira e abriu uma garrafa de vinho. Agora ele não deixava a pistola fora do alcanse por instante algum.

Haviam duas poltronas confortáveis próxima ao fogo, mas ele preferiu deitar-se no piso de madeira acarpetado, apenas puxando para trás de si uma almofada.

Ficou ali olhando as chamas trepitarem. Ele teria adorado se Érica estivesse sentada ao seu lado. Ao contrário, ela afundou numa poltrona da sala, de onde o barulho do mar parecia invadir a casa. Ali mesmo adormeceu exausta.